Ao JOTA, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho se diz “chocado” com insegurança de entregadores de aplicativo: 'É como ir para uma batalha em Gaza' (Por Lucas Mendes) - foto divulgação -
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, disse ao JOTA nesta quarta-feira (8) que a pejotização irrestrita trará impactos “graves” que poderão levar a uma “ruptura do tecido social”, com trabalhadores desassistidos e a seguridade social subfinanciada.
Para o ministro, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é “atemporal”, já que foi construída com cláusulas gerais para ter “incidência ao longo do tempo”, além de ter passado por mais de cem atualizações.
“A CLT não fica em desuso. Ela faz parte hoje de uma gama de trabalhadores, 38 milhões, que não podem ficar desassistidos”, afirmou.
As medidas foram levantadas, em parte, graças a encontros com motoentregadores de Brasília. Num dos diálogos, disse ter ficado “chocado” com os depoimentos dos trabalhadores sobre a subordinação ao algoritmo e os receios com a possibilidade de acidentes. “Não podemos ter uma perspectiva de que você sai de casa e não sabe se vai voltar. É como ir para uma batalha em Gaza”, comparou.
O presidente do TST participou de entrevista exclusiva ao JOTA, em que tratou dos desafios da Justiça trabalhista e das novas modalidades do trabalho. Vieira de Mello Filho assumiu o comando do TST em 25 de setembro. No discurso de posse, falou sobre a assimetria nas relações de trabalho e a falsa liberdade de escolha do trabalhador. Foi indicado ao tribunal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006.
Uberização e CLT digital
Vieira de Mello Filho disse que tem dialogado com o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-DF), relator da comissão especial da Câmara sobre regulação dos aplicativos de transporte e entrega.
Segundo o presidente do TST, a perspectiva da categoria é diferente de outros trabalhos regulados. Além de rejeitar o enquadramento como trabalho intermitente, o ministro defende uma legislação que comporte regimes diferentes, para que o entregador opte pelo que achar melhor, de acordo com o perfil de trabalho: se para compor renda ou se há longas jornadas para mais de uma plataforma, por exemplo.
“Essa questão tem que ser [solucionada] pela via legislativa. Seria um trabalho digital, uma CLT digital”, afirmou. “Temos que pensar, com relação a novas formas de trabalho, uma CLT digital, com características diferentes na proteção”.
Para o magistrado, seu período na presidência do TST passará por fazer com que se dê visibilidade aos entregadores.
O lugar onde eles comem são uns tijolos que eles colocaram. A cadeira que eu fiz a reunião, um deles disse que tiraram do lixo. É isso que se chama de empreendedorismo, de autonomia? É que ninguém vai lá para escutar e saber o que estão vivendo e passando. Na hora de servir a gente entregando as coisas é muito fácil”.
Pejotização é desconstrução histórica
O ministro destacou que a pejotização impactará a arrecadação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema S, com consequências para o financiamento de obras de infraestrutura. O cenário, segundo ele, é de comprometimento de programas como o do Minha Casa, Minha Vida, que favorece pessoas vulneráveis.
“Mas o mais grave é que a Previdência Social não se sustentará”, disse. “Se diz que, [com a pejotização], o empregado vai ser obrigado a recolher a previdência. Mas aí vai ser só ele. Não ter a contribuição dos empregados. Estamos quebrando a simetria e estabelecendo a responsabilidade só de quem trabalha”.
Vieira de Mello Filho disse ver a tendência da pejotização como uma desconstrução histórica da luta social de mais de 80 anos, e que teme pelas consequências na população. Para o magistrado, as garantias constitucionais que asseguram uma “condição mínima civilizatória” estão virando “pó”.
“Não vai sobrar nada. Já estamos assistindo a uma avalanche de contratação pelo PJ”, afirmou. “Se isso virar uma situação legal, eu não discuto a defesa da minha instituição, da Justiça do Trabalho, eu falo de outra coisa, da defesa de pessoas vulneráveis, que não terão proteção do Estado”.
Justiça do Trabalho e STF
No ponto da competência da Justiça trabalhista para avaliar relações de trabalho e eventuais fraudes em contratação via PJ, disse ver como uma “regressão” atribuir essa análise à Justiça comum.
“Estamos voltando para a locação de serviço do Código Civil de 1916. Voltamos à ausência de reconstrução da simetria, eles [PJs] serão colocados como iguais numa relação contratual, que era o que havia anteriormente. Vou dizer que uma pessoa com uma mala nas costas pedalando uma bicicleta é um empreendedor? Um PJ? Acho que a figura fala por si só e dispensa comentários”, declarou.
Tanto a uberização quanto a pejotização estão em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Para Vieira de Mello Filho, não há conflito entre os dois tribunais.
“Diferentemente do STJ, temos uma competência concorrente com o STF, então temos que analisar questões constitucionais em todas as instâncias, especialmente no TST. E as pessoas estão driblando o sistema recursal trabalhista e entrando com reclamação a partir de sentenças regionais”.
O magistrado disse encarar a corte que presidente como um “tribunal plural”. Para ele, os julgamentos acirrados são fruto de entendimentos diversos sobre legislação trabalhista. “Não podemos ter estratégias para decidir, ou outros interesses, temos que ter debate público e jurídico sobre temas que estão submetidos à apreciação do tribunal, que não pode ter uma só posição”.
Projetos
Entre as principais iniciativas em sua gestão, destacou uma governança judicial que dê mais celeridade a julgamentos de Incidentes de Recursos Repetitivos (IRR) —em que são definidas teses vinculantes para toda Justiça trabalhista.
A estratégia segue um início de trabalho feito pelo seu antecessor no cargo, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que apostava na formação de uma “cultura de precedentes” na Corte.
De acordo com as contas do tribunal, são 107 incidentes pendentes, além de outros mais de 200 casos com reafirmação de jurisprudência. “São processos complexos e estamos tentando estabelecer consenso para resolver a pauta de julgamentos”.
Vieira de Mello Filho disse que já existem temas próximos de julgamento. Citou três: sobre contribuição assistencial, comum acordo e honorários. “Estamos já com os votos dos relatores encaminhados. E pedi aos colegas que enviassem a secretaria para que eu possa fazer equilíbrio das matérias. A ideia é investirmos muito no julgamento dos recursos repetitivos”.
Para 2026, o magistrado projeta a divulgação de uma campanha para combater o assédio eleitoral entre trabalhadores. A ideia é complementar um trabalho que já é feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no tema.
O presidente assumiu o TST já tendo em seu colo a polêmica envolvendo a construção de uma sala vip exclusiva no Aeroporto de Brasília para que seus 27 ministros evitassem o encontro com "pessoas mal-intencionadas ou inconvenientes". A obra, feita em agosto, teve um custo de R$ 85 mil e o aluguel do espaço seria de R$ 30 mil mensalmente ao tribunal.
Em meio às críticas, o contrato foi encerrado pelo TST. “Esse assunto já está encerrado, e não é mais relevante para o tribunal”, declarou. “Todos os colegas deliberaram, por unanimidade, a rescisão do contrato”. (Fonte: Jota)
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