Gestora de R$ 30 bi cresce de forma silenciosa no império Moreira Salles




Um de seus principais fundos, o multimercado Mantiqueira, dá uma ideia do quão bem-sucedida a BWGI tem sido  (Por Bloomberg)

A família Moreira Salles é uma constante da vida brasileira.

Do Itaú Unibanco à Eneva, das minas de nióbio em Araxá à fazenda em Matão, do IMS à revista Piauí, a influência do poderoso clã se faz visível nas artes, nas finanças e até nas sandálias Havaianas. Ao todo, é uma fortuna de mais de US$ 20 bilhões, de acordo com o Índice Bloomberg Billionaires.

Se boa parte de seus negócios é amplamente conhecida, um dos mais impressionantes empreendimentos construídos pelos Moreira Salles é tocado discretamente, longe dos olhos do público. Trata-se da máquina de multiplicar recursos que é a Brasil Warrant Gestão de Investimentos.

Poucos fora dos círculos bancários do país já ouviram falar da BWGI, como a empresa é conhecida. Ainda assim, o family office administra mais de R$ 30 bilhões em recursos do clã — valor que não inclui a fatia no Itaú ou em outras empresas da famíla. A empresa tem um time de cerca de 50 pessoas em São Paulo e Nova York, que negocia ações, títulos, private equity, commodities e moedas em todo o mundo, mostram documentos regulatórios. É uma operação comparável às maiores gestoras independentes de recursos de terceiros do Brasil.

Um de seus principais fundos, o multimercado Mantiqueira, dá uma ideia do quão bem-sucedida a BWGI tem sido.

O fundo, que tem cerca de R$ 4,7 bilhões sob gestão, rendeu mais de 170% nos últimos cinco anos, superando quase todos os seus pares, mostram dados compilados pela Bloomberg. Isso equivale a cerca de 22% ao ano.

“Eu brinco que o nosso cliente único não resgata o dinheiro, eles resgatam os gestores e contratam novos para o lugar deles,” disse Demosthenes Madureira de Pinho Neto, o ex-diretor do Banco Central à frente da BWGI, em uma rara aparição pública no ano passado, em uma live patrocinada pela empresa de investimento de impacto VRB. “Então a pressão está lá para uma melhor relação risco e retorno.”

Pinho Neto, funcionário de carreira do Itaú Unibanco, não deu entrevista sobre a BWGI, assim como a família Moreira Salles. Atualmente, o núcleo do clã é composto pelos quatro irmãos, Fernando, Pedro, João e Walter.

Os family offices existem há séculos, cuidando dos investimentos de família ricas, questões tributárias e também de suas vidas pessoais. Mas eles explodiram em número nas últimas décadas conforme poderosas famílias industriais, de varejo e imobiliárias como o clã Ferrero da Itália, Li Ka-Shing de Hong Kong e os Wertheimers do império Chanel, construíram operações sofisticadas para discretamente investir suas crescentes fortunas pessoais.

No Brasil, onde muitas das maiores empresas do país são familiares, o tamanho da BWGI impressiona. No passado, as taxas de juros altíssimas significavam que os brasileiros ricos podiam facilmente deixar seu dinheiro em títulos do governo e obter um retorno decente e sem risco. Contudo, com os juros caindo a níveis mínimos recordes, as famílias abastadas foram forçadas a serem mais criativas.

O clã trouxe Pinho Neto a bordo para supervisionar a BWGI em 2011, logo após a venda de uma participação minoritária na Cia. Brasileira de Metalurgia & Mineração, empresa controlada pela família que é responsável por 80% do nióbio do mundo.

A transação rendeu à família quase US$ 4 bilhões na época e os deixou com um nível inédito de dinheiro em caixa — que precisava de uma estrutura maior para ser administrado.

“Como a família já tinha em ativos permanentes uma exposição muito grande ao Brasil, nossa principal prioridade desde o primeiro momento era diversificar”, disse Pinho Neto na transmissão pela internet. “Isso significa primeiro ter um percentual grande do nosso portfólio em ativos líquidos. Já a segunda questão era tentar algum tipo de diversificação regional.”

Pouco se fala publicamente da BWGI. A maior parte do dinheiro que a empresa administra é mantida em investimentos de baixo risco que procuram igualar os retornos do mercado, com alta liquidez.

Nos últimos anos, porém, as operações da BWGI ficaram cada vez mais complexas, com a empresa trazendo novos talentos e criando seus próprios fundos multimercados, enquanto colocava uma parcela maior do dinheiro para trabalhar globalmente, de acordo com pessoas com conhecimento das operações da empresa.

O family office – cujo nome remonta a uma empresa britânica chamada Brazil Warrant and Finance que Walther Moreira Salles comprou na década de 1950 – recruta principalmente ex-funcionários do Itaú e de outras gestoras de recursos do Brasil, embora tenha adicionado alguns nomes globais recentemente.

A empresa tem quase dois terços de seu dinheiro fora do Brasil, mostram documentos regulatórios. A BWGI tem seus próprios multimercados — Mantiqueira e Itatiaia –, uma unidade de private equity e uma equipe que seleciona gestores de ativos globais para investir em seu nome. Até certo ponto, sua estrutura foi inspirada nos gigantescos “endowents“ de universidades americanas, que combinam alocação de ativos de longo prazo com investimentos alternativos em “hedge funds“ e imóveis.

Na BW, essas diferentes equipes competem por uma parcela maior do dinheiro que entra constantemente dos dividendos das empresas da família.

Só para se ter uma ordem de grandeza, a família Moreira Salles recebeu cerca de R$ 13 bilhões de reais do Itaú e da CBMM, como a mineradora de nióbio é conhecida, entre 2017 a 2019 em proventos, de acordo com cálculos da Bloomberg baseados em documentos das empresas.

A família também tem uma fatia na Eneva, empresa de energia construída a partir dos espólios de gás natural do império do ex-bilionário Eike Batista, e uma participação de quase 30% na Alpargatas SA, fabricante de sandálias Havaianas usadas por celebridades como Kim Kardashian e Gwyneth Paltrow.

Eles também possuem uma empresa que cultiva frutas cítricas, a Cambuhy Agrícola.

Parte da riqueza da família alimenta o multimercado Mantiqueira Master, um dos principais veículos de investimento da BWGI. Criado em 2015 e administrado por uma equipe que conta com Marcelo Kishimoto, ex-chefe da mesa de volatilidade da equipe da tesouraria proprietária do Itaú, o fundo disparou 42% só no ano passado, mostram dados compilados pela Bloomberg.

O fundo tem liberdade para se alavancar, segundo seu regulamento, e prosperou com apostas em títulos do governo brasileiro e investimentos estrangeiros não divulgados, de acordo com documentos regulatórios.

A desvalorização do real, que caiu cerca de 20% em relação ao dólar nos últimos 12 meses, também pode ter impulsionado os retornos no exterior.

As origens da fortuna da família Moreira Salles remontam a um século. Seu negócio bancário foi criado na década de 1920 e, após uma série de fusões, acabou resultando em uma participação de aproximadamente 9% no capital total do Itaú Unibanco, mas com direitos de controle. Essa fatia vale atualmente cerca de US$ 6 bilhões.

A família fundou a CBMM em 1955. A empresa teve cerca de R$ 8,6 bilhões de receita líquida em 2019, mostram os dados disponíveis mais recentes disponíveis.

Os quatro irmãos mantiveram a família na vanguarda dos negócios e da cultura no Brasil. O mais velho, Fernando, 75 anos, fez parte dos conselhos do Itaú e da CBMM. Pedro, 61, ajudou a orquestrar a criação do Itaú por meio de uma aliança com duas outras famílias ricas do Brasil e é o copresidente do conselho de administração do banco. Walter, 64, é diretor de cinema, cujos filmes incluem a adaptação de “On the Road”, de Jack Kerouac, enquanto João, 58, é o fundador da revista Piauí.

O clã está pavimentando o caminho para a próxima geração. E isso inclui a BWGI. O filho de Pedro, João Moreira Salles, ex-executivo de banco de investimentos do JPMorgan Chase em Nova York, já fez parte do conselho de várias empresas da família. Ele tem um papel chave na BWGI e supervisiona os recursos do clã ao lado de Pinho Neto.

“O grande desafio que nós todos temos é gerir a mudança”, disse Pedro Moreira Salles em um webcast em setembro, referindo-se ao futuro das empresas da família. “Tavez seja longo, mais árduo, mas é preciso enfrentar o legado, para que a empresa aprenda a se transformar no tempo.” (Fonte: Money Times)

COMPARTILHAR