Brasil mal na fita da vacina




Fanfarras e factoides marcaram o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Mas a gestão desastrada do governo, aliada a superdemanda global por vacinas e IFAs (insumo essencial da vacina), pôs o Brasil numa posição difícil que pode levar ao atraso na imunização coletiva dos brasileiros. (Por Fernando Dantas)

O início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil foi repleto de emoção e factoides de gosto duvidoso – como imunizar as duas primeiras cariocas ao pé do Cristo Redentor, por capricho do novo prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Mas o fato é que o Brasil tem poucas vacinas para a fase inicial e, como grande número de países do mundo, vai participar de uma competição desesperada por doses e pelos IFAs (insumo farmacêutico ativo) com os quais Fiocruz e Butatan podem manufaturar as vacinas no Brasil.

Segundo o Relatório Global de Riscos de 2021 do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla pela qual é conhecido internacionalmente), recém-divulgado, “países de renda baixa e média podem receber apenas uma pequena fração das suas doses para os trabalhadores da linha de frente [médicos, enfermeiro e outros profissionais ligados à medicina que lidam diretamente com os infectados pelo coronavírus] até que as economias avançadas tenham conseguido uma cobertura da vacina de 20% [da população]”.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aquela parcela de 20% da população corresponde aproximadamente (claro que há variações de país para país) ao grupo de pessoas que deve ser inicialmente priorizado na primeira fase da vacinação.

Esse grupo é composto pelos trabalhadores na linha de frente (incluindo os que trabalham em asilos e estabelecimentos de assistência social expostos ao coronavírus), pessoas com mais de 65 anos e pessoas com menos de 65 que por algum motivo tenham mais risco de morte diante da pandemia.

O documento do WEF traz uma seção intitulada “Hindsight: Reflections on Responses to Covid-19 (Olhando para trás: reflexões sobre as respostas à Covid-19)”, no qual um dos temas abordados é a questão de como a vacinação será feita em termos globais, e até que ponto nações menos poderosas e menos ricas poderão ser prejudicadas.

No caso do Brasil, que não é tão insignificante em termos econômicos e geopolíticos, têm que ser acrescentados também os insanos negacionismo e incompetência do governo federal.

O WEF nota que há subfinanciamento de mecanismos criados para fornecer vacinas de forma equitativa para países pobres e de renda média no âmbito da OMC e com o apoio do G-20 –  como o COVAX, iniciativa global, com adesão de mais de 170 países, com o objetivo de acelerar a produção e distribuição equitativa entre os países de vacinas (além de testes e tratamentos).

Na verdade, como se vê nas recentes dificuldades do Brasil de trazer vacinas da Índia e IFAs da China, a pandemia levou a uma explosão da demanda por equipamentos médicos, medicamentos e vacinas ou seus ingredientes. Com isso, mercados nacionais tenderam a se fechar e o protecionismo ligado a esses produtos cresceu.

Levantamento do Banco Mundial revela que 92 países tomaram 215 medidas de controle de exportações de equipamentos médicos e remédios em 2020.

Já o site “Our World in Data” mostra que o ranking de países segundo a proporção da população que já recebeu pelo menos uma dose da vacina da Covid-19 é quase todo dominado pelas tradicionais nações desenvolvidas ou países de alta renda per capital, como produtores de petróleo do Golfo Pérsico.

Assim, Israel disparou na frente, com 25%, e, após Emirados Árabes Unidos (17,4%) e Bahrain (8,4%), vêm Reino Unido e Estados Unidos, com respectivamente 6% e 3,2%. O melhor emergente é a Turquia, com 1%.

Apesar de todas as fanfarras iniciais, o Brasil está atrasado e mal posicionado na corrida global da vacinação. E isso significará tanto mais mortes evitáveis de brasileiros como um pior desempenho econômico em 2021, o que sempre recai com mais força nas costas dos mais pobres. (Fonte: Estadão)

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